Comparação da evolução dos casos COVID-19 – BRASIL E REINO UNIDO*
Recentes notícias a cerca do COVID-19 como o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro e a eminência do lançamento da campanha do governo “Brasil não pode parar” trouxeram à tona o questionamento sobre qual a melhor estratégia: isolamento total da população ou apenas do grupo de risco.
Proposto pelo médico David Katz, diretor do Centro de Pesquisa em Prevenção Yale-Griffin, o confinamento controlado promete barrar o avanço do vírus e ao mesmo tempo evitar maiores problemas socio-econômicos. Segundo o médico, passamos por um momento de guerra e essa estratégia serviria para evitar um confronto aberto, colocando em prática um ataque cirúrgico ao vírus.
Mas, será que essa estratégia funcionaria no Brasil?
Figura 1: Evolução do número de casos confirmados na Coréia do Sul. O país utilizou de testes massivos e controle da população por meio de tecnologia para conter o avanço da doença. Fonte: John Hopkins
Uma das referência de Katz para a proposta é baseada nos resultados da Coréia do Sul, onde a doença foi controlada sem completo isolamento social, mas baseando-se no teste massivo da população, controle e tratamento dos pacientes.
Interessante? Sim. Viável? Não.
A Coréia do Sul testou milhares de pessoas e como bem sabemos, a quantidade de testes disponíveis no nosso país não é compatível com a população. Além disso, a Coréia do Sul investiu em tecnologia para testar não só indivíduos sintomáticos, mas todos aqueles que mantiveram contato com casos confirmados e ainda controlou a população por meio de GPS em aparelhos móveis.
Além disso, outro fator de comparação com o Brasil é o caso do Reino Unido. O primeiro-ministro do país, que havia tomado medidas brandas impondo apenas o auto-isolamento a pessoas no grupo de risco enquanto seu país já apresentava 1551 casos confirmados, voltou atrás recentemente e proibiu a reunião de grupos com mais de duas pessoas, tendo a possibilidade de multa para quem desobedecesse a ordem. O país europeu já conta com 11812 casos confirmados e 580 mortes (dados obtidos até 26/03/2020 segundo o Hospital John Hopkins), o próprio ministro é um dos casos confirmados.

Figura 2: Comparação do número de doentes registrados desde o primeiro caso confirmado no Reino Unido e no Brasil. Os valores foram normalizados, ou seja, cada caso confirmado foi dividido pelo tamanho da população *100mil para evitar influências de fatores demográficos. A comparação serve para indicar as medidas tomadas pelo governo do Reino Unido que tentou aplicar soluções mais brandas às restrições de circulação. O isolamento vertical foi brevemente aplicado, mas o ministro reavaliou e ordenou multas para grupos acima de duas pessoas. Fonte dos dados: John Hopkins
Já se passaram 30 dias desde o primeiro caso confirmado de COVID-19 no Brasil, como mostra o gráfico acima. Na Figura 2, é possível observar que a situação do Reino Unido aos trinta dias da primeira confirmação era relativamente muito mais baixa e supostamente menos preocupante do que a nossa.
Mais ainda, com o tamanho do território brasileiro, temos uma descentralização nos casos de COVID-19, que precisam ser avaliados ponto a ponto. Isso significa que, atualmente, 4 cidades despontam no número de casos no Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Fortaleza. Ao todo, as quatro cidades somam um total de 60% dos casos do país.
Assim como no gráfico comparativo entre o Reino Unido e o Brasil, no gráfico das cidades, os dados são normalizados. Isso significa que cada um dos dados foi dividido pela população da cidade para que não houvesse interferência demográfica na amostragem. Na Figura 3, os gráficos apresentam Fortaleza com um crescimento elevado em relação as outras cidades, mesmo com seu primeiro caso sendo confirmado há cerca de 12 dias. Brasília e São Paulo estão logo atrás e Rio de Janeiro é a quarta maior cidade em número relativo de casos confirmados.
Figura 3: Comparação do número de casos das quatro maiores cidades com casos confirmados. Para cada cidade, o valor dos dados foi normalizado para reduzir influências demográficas na análise. Os dados foram divididos pelo número de habitantes em cada cidade *100mil. Podemos ver um rápido crescimento de Fortaleza, que teve seu primeiro caso confirmado no dia 15/03/2020, seguido de São Paulo e Brasília. Políticas públicas mais restritas podem ser aplicadas para evitar a expansão da doença nesses centros. Fonte: ver nota de rodapé.
Será que já é hora de baixar a guarda? É provável que não.
Vale lembrar que o tempo de incubação do coronavírus é de 2 a 14 dias, ou seja, uma pessoa pode ficar durante todo esse período sem apresentar os sintomas clássicos da doença como febre e tosse seca. Isso inviabilizaria ainda mais o isolamento vertical sem os devidos testes massivos na população. A OMS que já distribuiu cerca de 1,5 milhões de testes ao redor do mundo, informou que seriam necessários quase 80 vezes mais exames para combater a pandemia que tem previsão de permanecer por mais alguns meses entre nós.
Teremos um problema econômico? Infelizmente sim. Não há como contestar.
Referenciando a frase do vídeo da BBC News Brasil:
‘Quanto vale uma vida?’
Considerando apenas os idosos como grupo de risco, temos cerca de 30 milhões de vidas. Além disso, aproximadamente 66% dos idosos no Brasil moram com alguém que não é seu cônjuge aumentando o risco de contaminação quando familiares ou cuidadores voltarem a rotina. É evidente se pensar que quanto maior a idade e a fragilidade do indivíduo, menores as chances dele(a) morar sozinho, aumentando os casos de internação por conta de contaminação pelo vírus.
Não somos indivíduos isolados, somos seres sociais. Toda essa rede de conexão entre grupo de risco e ‘não risco’ ameaça o sistema de saúde brasileiro, que possui cerca de 78% dos leitos de internação ocupados. O Rio de Janeiro já sofre as consequências, no dia 13/03, a secretária de saúde informou que contava com todos os seus leitos ocupados e que precisaria criar mais 150 vagas para atender os pacientes com COVID-19.
Não queremos analisar dados de casos confirmados e de óbitos em ascendência. Também não queremos uma crise econômica. Cabe ao governo alinhar estratégias econômicas para amenizar as consequências da pandemia, e o isolamento vertical não é uma delas.
Texto desenvolvido por Mariane Neiva
* Dados normalizados de acordo com a população de cada país e exibidos a partir do primeiro caso confirmado de COVID-19
Mais fontes:
https://exame.abril.com.br/brasil/witzel-manda-fechar-escolas-teatros-e-cinemas-no-rio-por-coronavirus/
https://catracalivre.com.br/educacao/coronavirus-universidade-suspende-aulas/
Dados de Brasília – Secretaria de Saúde do Distrito Federal,
Dados do Rio de Janeiro – Secretaria Estadual de Saúde do RJ
Dados de São Paulo – Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac
Dados de Fortaleza – Secretaria Estadual de Saúde do Ceará
Atualizado em 27 de março de 2020.